Experimentei, tantas vezes, o inesperado aroma
das árvores da infância e a humidade
do nevoeiro a entranhar-se-me nos ossos.
Nos sabores, que à boca concedi,
interroguei os mares, iludi distâncias
e sobre o tempo saltei sem dar por isso.
Indefesa me senti dos incontáveis
artifícios da idade.
Sobre mim se estreitava, eu pressentia,
uma morte inescapável.
Por capricho dos deuses
nada é perene, nada sobrevive
à implacável raiz que a terra exige.
Nada resiste às leis que a própria vida impõe.
Recolhida na resguardada luz
dos poentes convergia e afastava
as sombras como uma prece.
Pelas concavidades da noite
ouvia tocar os sinos da igreja
e era como se um veneno
me alagasse inteira.
Graça Pires
De Jogo sensual no chão do peito, 2020, p.52