Andrey Vahrushew
“Menina de nove anos agredida pela mãe”.
Sabia que era dela que falavam
e escreveu no seu diário:
mãe, o que é que aconteceu?
O sorriso que começava inteiro nos teus olhos
tornou-se estrangeiro em tua boca.
Lembro-me do instante
em que começaste a fitar-me obliquamente,
como se um cerco te amordaçasse o olhar.
Depois, sem suspeitares,
tinhas as mãos vulneráveis à violência.
O que é que nos aconteceu, mãe?
Como dizer o teu andar inquieto, ou calar
o teu rosto cavado por uma qualquer angústia?
O que é que te aconteceu, mãe?
De hoje em diante usarei no tornozelo
uma pulseira negra, em sinal de protesto,
por me teres privado tão cedo da tua alegria.
Graça Pires
De A solidão é como o vento, 2020, p. 46