O SONHO ADORMECE LENTAMENTE
O dia esgota-se. O sonho adormece lentamente.
Enquanto os sentidos farejam a exaltação do dia,
há um ranger contínuo que ecoa dentro de mim
como um sussurro cósmico que abafa todos os silêncios.
Neste farejar de sentidos me perco na complexidade das coisas banais.
Entrego-me ao vago e indefinível e deixo que os meus lábios
respirem o húmus da madrugada. Parece que deixei de encontrar beleza
nas neblinas matinais, nos nocturnos e húmidos afagos,
nessas coisas sublimes que não têm peso nem cheiro.
No respirar íntimo e latejante da noite um sonho estremece bruscamente
o sossego nocturno e um suspiro se evade de mim,
lento como uma gota de água que escorre agonizante na vidraça.
Talvez uma boca ou uma língua ávida venha sorvê-la, abrir-lhe a névoa,
sentir o seu sabor e saciar a sede que lhe arde nos lábios.
Albino Santos
In: A complexidade das coisas banais. Viseu: Seda Publicações, 2025, p. 13

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