3.2.25

À passagem de pássaros rubros

 

Daria Petrilli



Deixo que um brado demente 
me atravesse o coração 
à passagem de pássaros rubros 
na periferia dos meus olhos 
e me rasgue na garganta uma fenda 
que atravesse os lugares calados 
onde se escondem bichos,
ervas bravas e o hálito húmido da terra.
Sem rumor, a mais íntima sombra 
propaga a suspeita 
de uma paisagem longínqua 
de onde me ausentei 
quando a extinção dos amores-perfeitos
contornou a minha solidão.

Graça Pires
De Antígona passou por aqui, 2021, p.64

4 comentários:

sagann monn disse...

Sombra silenciosa e mais íntima.

Passar por ali pode lembrar-lhe o calor do corpo.

Do Japão, um país distante no Oriente, o ruma

Jaime Portela disse...

Excelente poema.
Gostei de ler.
Boa semana amiga Graça.
Um beijo.

Luís Palma Gomes disse...

Não é um poema fácil para 2ªfeira de manhã. É denso, tem muitas ideias e imagens muito fortes: "pássaros rubros", "a extinção dos amores-perfeitos". E esta envolvência mística não é apenas trazida para dentro do poema pelos substantivos, mas também pelos verbos que os ligam: "contornou a minha solidão" ou "Deixo que um brado demente
me atravesse o coração" ou ainda "a mais íntima sombra/ propaga a suspeita". No geral, soa-me a uma epifania profana, onde a poetisa se perceciona só, convocando um conjunto de imagens e palavras para descrever a solidão. Um poema não tem uma explicação absoluta. Este é um exercício hermenêutico que nos obriga a andar à sua volta, como uma colher que mexe um conjunto de ingredientes para obter uma massa única, consistente, uma interpretação. É muito bonito e isso deve bastar. Beijinhos e boa semana.

chica disse...

Solidão bem desenhada até com a extinção dos amores-perfeitos! Linda poesia e tela! beijos, chica