28.3.07

Com sinais de fêmea

Eugene Garin


Com sinais de fêmea no contorno das coxas,
cuidei dos filhos como se fosse mãe solteira
ou me doesse, na alma, aquele desamparo de pai,
que lhes pressentia no sangue e me inibia de chorar.

Esta noite as gaivotas dançaram no meu rosto
uma cantiga de roda. E o silêncio, que envelhecera
nos meus dedos, formulou tempestades sobre as ondas.


Graça Pires
De Uma certa forma de errância, 2003

4 comentários:

Anónimo disse...

É comovente, este poema. Detenho-me especialmente na 1ª estrofe que me traz, como numa corrente perdida muito para trás, ecos de ancestrais cantares de mulheres. Mas também na 2ª estrofe, a dança de roda das gaivotas e a rebelião do silêncio me traz à ideia rituais femininos tão vivos quanto perdidos no tempo.
É um belo poema! Gostaria de saber de que livro faz parte.

Soledade

Anónimo disse...

este post é um quadro. belíssimo.

Graça Pires disse...

Obrigada Soledade pela visita e pelo seu belo e sensível comentário. O poema pertence ao livro "Uma certa forma de errância", onde recorro ao mito da Penélope e Ulisses... Bem haja e um abraço.
Alice, obrigada pela visita e pelo comentário. Um abraço.

Anónimo disse...

Obrigada por me ter respondido com a fórmula mais bonita da nossa língua - e que eu retribuo: bem haja! Que a poesia nunca falte nesta casa. Nem os mitos que fecundam poesia e vida, como nos ensinou Pessoa.
Uma boa Páscoa!

Soledade