6.1.25

Num pressentimento feliz

 

António Dacosta



Num pressentimento feliz,
recebo de mãos abertas 
a inexprimível conivência 
das palavras.
Arrasto-me até à nitidez 
de uma primitiva sílaba.
Transformo a memória 
em pretextos vocabulares, 
em monólogos, 
em mortificado sobressalto.
Preencho o vazio dos espaços 
com pequenas doses de silêncio. 
Não há lugar para a estranheza 
da página em branco, 
a denunciar a aridez do verbo. 
Sei como é áspero o mutismo 
que atravessa a língua 
em movimento curvo 
até tornar absurda a linguagem.
Como se tangesse uma guitarra nocturna, 
consinto que me invada 
a taciturnidade do anoitecer. 
Direi então que as palavras têm sombra 
nas páginas deste texto onde fixei a minha voz 
para deixar passar antígona 
despida de pudor, em dementada inocência.

Graça Pires
De Antígona passou por aqui, 2021, p. 54