6.1.25

Num pressentimento feliz

 

António Dacosta



Num pressentimento feliz,
recebo de mãos abertas 
a inexprimível conivência 
das palavras.
Arrasto-me até à nitidez 
de uma primitiva sílaba.
Transformo a memória 
em pretextos vocabulares, 
em monólogos, 
em mortificado sobressalto.
Preencho o vazio dos espaços 
com pequenas doses de silêncio. 
Não há lugar para a estranheza 
da página em branco, 
a denunciar a aridez do verbo. 
Sei como é áspero o mutismo 
que atravessa a língua 
em movimento curvo 
até tornar absurda a linguagem.
Como se tangesse uma guitarra nocturna, 
consinto que me invada 
a taciturnidade do anoitecer. 
Direi então que as palavras têm sombra 
nas páginas deste texto onde fixei a minha voz 
para deixar passar antígona 
despida de pudor, em dementada inocência.

Graça Pires
De Antígona passou por aqui, 2021, p. 54

28 comentários:

brancas nuvens negras disse...

É assim mesmo. Mas logo que surge a palavra certa todas as outras nos guiam. Nunca nenhum poema ficou por fazer.
Boa semana.
Um abraço.

chica disse...

Que pressentimentos felizes se concretizem! Beijos,linda semana,chica

Regina Graça disse...

Pressentimento e palavras felizes! Cara Graça Pires, obrigada, só poemas plenos de optimismo podem mudar o mundo. Votos de um Ano Novo aberto à palavras mais iluminadas...

Mário Margaride disse...

A essência da poesia, da escrita em si. Tem este pressentimento feliz. As palavras que parecem mudas, emergem em sons vibrantes em toda a sua dimensão.
Gostei muito, amiga Graça.
Excelente partilha, estimada amiga.
Deixo os meus votos de uma excelente semana, com muita saúde e paz.
Beijinhos, com carinho e amizade.

Mário Margaride

http://poesiaaquiesta.blogspot.com
https://soltaastuaspalavras.blogspot.com

Rogério G.V. Pereira disse...

Ah!, como eu gostava de ter esse pressentimento feliz,
de arrastar-me até tal nitidez
de transformar a memória dessa forma
de preencher, assim, o vazio dos espaços
e de haver lugar para a estranheza
Gosta de saber como é áspero o mutismo
e a taciturnidade do anoitecer.
Então, saberia fazer um poema
a fazer coro com o teu desassombrado texto
juntando à tua, a minha voz

Um beijo encantado

Marta Vinhais disse...

A palavra encontra a voz, dá o mote e tudo nasce...
Bom Ano.
Beijos e abraços
Marta

São disse...

Começas o ano com um excelente poema, sem dúvida !

Te abraço com estima e votos de estupendo 2025 , minha Amiga :)

MELODY JACOB disse...

This poem beautifully explores the tension between silence and language, capturing the profound struggle and beauty of expression. The interplay of words and silence reveals a deep connection with the self, where language both defines and betrays us. The reference to Antigone adds a layer of complexity, symbolizing the conflict between personal truth and societal constraints. There’s something both haunting and freeing in your imagery, as if in the quiet, we can hear the most powerful truths.

Wishing you a fulfilling and inspiring New Year! By the way, I’ve just shared a new post on melodyjacob.com.

Maria João Brito de Sousa disse...

Uma sonoridade, a da primeira palavra que faz com que todas as outras venham apressadamente ter consigo...

Bom ano, Graça!

Um beijo

Roselia Bezerra disse...

Boa noite de Paz, querida amiga Graça!
Impressionada com a beleza do seu poema.
"Direi então que as palavras têm sombra
nas páginas deste texto onde fixei a minha voz".
Por trás de um blog, tem uma pessoa... sendo assim, ela tem voz pelas palavras a nós dispensadas.
As suas são de excelência exuberante.
Tenha uma nova semana abençoada!
Beijinhos fraternais

She disse...

Que lindo, Graça!
Feliz 2025, querida.
Beijo, beijo.
She

alberto bertow marabello disse...

Che carina questa tua poesia, un alternarsi di chiaroscuri, di luce ed ombre, suoni e silenzi.
Molto carina. Brava.
E tantissimi auguri di buon anno, un anno felice e sereno, un anno di pace per te e per il mondo tutto.
Um beijo

bea disse...

Que saudade da sua voz, Graça.
Que 2025 seja um ano poético. Com saúde e mais o que faz falta.

Ailime disse...

Boa noite Graça,
Um poema maravilhoso repleto de metáforas, que vão desfiando belas palavras e emoções, formando um poema brilhante!
Gostei imenso, minha Amiga e Enorme Poeta.
Beijinhos e uma boa semana.
Emília

J.P. Alexander disse...

Me gusto mucho tu poema. Feliz día de reyes. Te mando un beso.

Cesar disse...

Simplesmente impressionante.
Que as palavras continuem sendo o instrumento que tira-nos do vazio.
Um bom ano pra ti também.

Pedro Luso de Carvalho disse...

Olá, amiga Graça, você abre esse ano de 2025 com esta belíssima obra
poética, que gostei imenso de ler.
Uma excelente semana, minha amiga,
um beijo.

Fá menor disse...

Muito bom! Que as palavras nunca se percam nem nos percam.

Beijinhos e bom Ano!

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

Bom dia Graça

a iniciar o ano com um poema cheio de positivismo.
que o pressentimento seja realidade e assim será.
poesia muito bem dileneada cheia de sensibilidade e delicadeza.
bom ano e boa semana.
um beijo
:)

ManuelFL disse...

Fiquei maravilhado.
Primeiro com a ilustração de António Dacosta, a feliz alegria da menina na bicicleta. Um pressentimento feliz.
Depois recebemos de mãos abertas, para nosso deslumbramento, a voz plena de inocência da poeta.
Beijinhos

Juvenal Nunes disse...

Leio nesse poema uma procura inquieta, que se concretiza quando as palavras se tornam legíveis no papel em branco.
Toda a nossa vida é uma caminhada refletida nessa busca incessante.
Abraço de amizade.
Juvenal Nunes

Lucinalva disse...

Bom dia, Graça
Lindo poema, é tão bom sentir um pressentimento feliz, desejo um belo ano, bjs querida.

Luís Palma Gomes disse...

A dor masoquista da atitude poética é comummente convocada e a Graça fá-lo muito bem neste poema. Lembrei-me daqueles versos do Pessoa em que "o poeta é um fingidor" e fingindo que finge, coloca o leitor ao corrente da sua dor. Achei que o poema problematiza o ato da escrita. A pergunta seguinte será: o que dói? e porquê? e quando? Onde já sabemos: quando escreve..Beijinhos. Espero que esteja bem.

Tais Luso de Carvalho disse...

Que belo, querida Graça, começando o Novo Ano lindamente!
Muitas inspirações maravilhosas pra você nesse 2025.
Beijinhos, amiga.

manuela barroso disse...

As palavras têm energia ou são energia ?
Direi que terão vida própria tal a sua dimensão e ambiguidade onde tantas vezes nos emergem .
E exemplo disso é a forma como nos consegues fazer “ viajar” através de mais um brilhante poema , querida Graça
Um grande beijinho

Tais Luso de Carvalho disse...

Oi, querida Graça, li esse seu belo poema e pensei que tivesse comentado!
Um belo começo do 2025, amiga!
Um bj daqui de longe!

carlos perrotti disse...

Entre las sombras de las palabras su poesía llena de espacios el vacío... Poema de hallazgos tras hallazgos, amiga.
Feliz 2025 otra vez, Graça. Lo mejor para usted!!

Dan André disse...

Boa tarde, querida Graça. Que poema lindo. As palavras tem seu poder, a sua energia, são consolidadas num papel, numa poesia, toda essa sonoridade, vem junto ao ler, um pressentimento de alegria.

Abraços fraternos
Dan
https://gagopoetico.blogspot.com/2025/01/aquele-disco.html